Vem este artigo a propósito das notícias que têm circulado em Portugal na última semana.
A "ditadura do corpo" é um termo usado para descrever a pressão social e cultural que as pessoas sentem para se adequar a um ideal de beleza física. Esse ideal é, muitas vezes, inatingível e pode ter consequências graves para a saúde física e mental, tanto de homens como de mulheres.
No entanto, as mulheres, em particular, são quem tem enfrentado ao longo dos tempos maiores críticas e pressões em relação à sua aparência física, pressão essa que começa logo muito cedo, na adolescência. A comunicação social e a publicidade promovem frequentemente padrões de beleza irrealistas e inalcançáveis para a maioria das adolescentes e mulheres, gerando pressões que, muitas vezes, são reforçadas por comentários negativos de homens e mulheres sobre o corpo feminino, incluindo críticas à aparência, peso e até mesmo ao envelhecimento. Críticas e pressões essas vindas, também, da própria família!
Sabemos hoje que todas estas pressões podem levar a uma série de problemas de saúde física e psicológica. A obsessão com a aparência pode levar a dietas extremas, uso de drogas para emagrecer e excesso de exercício físico, o que pode ter efeitos prejudiciais na saúde. As mulheres também são mais propensas a desenvolver distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia, como resultado da pressão para alcançar um corpo "perfeito", bem como problemas de saúde mental, como baixa autoestima, depressão, ansiedade ou perturbação dismórfica corporal.
As mulheres que não se encaixam no padrão de beleza promovido pela sociedade sentem-se muitas vezes inadequadas, indesejadas e sozinhas. Todo este sofrimento pode tornar-se insuportável e, no limite, levar a comportamentos suicidários. Apesar das causas do suicídio serem multifatoriais, não será por acaso que a taxa de suicídio nas raparigas jovens não para de crescer um pouco por todo o mundo, inclusive em Portugal.
Embora as mulheres sejam frequentemente alvo desta pressão, os homens também podem enfrentar a "ditadura do corpo". A comunicação social promove um padrão de beleza masculino que é igualmente inatingível para a maioria dos rapazes e homens, e a pressão para ter um corpo musculado e definido pode levar a problemas físicos e mentais semelhantes aos enfrentados pelas raparigas e mulheres. Aliás, a taxa de suicídio nos rapazes e homens é 3x superior à das raparigas!
É importante reconhecer que a "ditadura do corpo" é um problema social que afeta tanto homens e mulheres. A sociedade precisa mudar a sua perceção do que é uma aparência "ideal" e deixar de promover padrões inatingíveis de beleza. Em vez disso, devemos celebrar a diversidade e promover uma imagem positiva do corpo, independentemente da sua forma ou tamanho.
É importante lembrar que promover uma imagem positiva do corpo e celebrar a diversidade não significa ignorar os riscos de saúde associados ao excesso de peso e à obesidade. A obesidade é um problema sério de saúde que pode levar a uma série de complicações médicas, incluindo diabetes tipo 2, doenças cardíacas, hipertensão arterial, apneia do sono e certos tipos de cancro.
No entanto, a promoção de uma imagem positiva do corpo não se deve concentrar exclusivamente no peso ou no tamanho do corpo, mas sim na aceitação e valorização da diversidade em todas as formas e tamanhos corporais. As pessoas podem ser saudáveis em diferentes tamanhos e formas corporais, e a saúde deve ser medida através de indicadores de saúde física e psicológica, como a pressão arterial, os níveis de açúcar no sangue, a densidade óssea e a sua saúde mental, em vez de apenas pelo seu peso ou forma corporal.
É importante também recordar que o excesso de peso e a obesidade são problemas complexos e multifatoriais, e que não se resolvem apenas através de mudanças comportamentais individuais, como dieta e exercício físico. Por exemplo, importa salientar que a ciência psicológica tem demonstrado que o excesso de peso e a obesidade crónica na idade adulta estão fortemente correlacionados com a violência e abuso na infância. Ou seja, crianças vítimas de violência transformam-se em adultos doentes!
A terapia psicológica pode ser uma ferramenta valiosa para curar o trauma psicológico e lidar com questões de autoimagem e autoestima. É importante procurar ajuda e apoio o quanto antes, de maneira a evitar que todos estes problemas se agravem.
Por tudo isto, são necessárias políticas públicas de qualidade para abordar esta problemática de maneira abrangente e promover o acesso equitativo e atempado a alimentos saudáveis, espaços seguros para atividade física e serviços de saúde multidisciplinares.
Em resumo, a "ditadura do corpo" é uma pressão social e cultural que pode ter efeitos graves na saúde física e psicológica de homens e mulheres. É importante reconhecer e abordar esses problemas, promovendo uma imagem positiva do corpo e celebrando a diversidade em todas as suas formas. Acreditamos que é possível promover uma imagem positiva do corpo e celebrar a diversidade enquanto se reconhece os riscos à saúde associados ao excesso de peso e à obesidade. A saúde deve ser medida por uma ampla gama de indicadores e é fundamental que sejam criadas e implementadas políticas públicas de qualidade para abordar todas as questões associadas à "ditadura do corpo" de maneira abrangente e equitativa. A terapia psicológica pode ser um recurso importante para quem esteja em sofrimento.
Boa Páscoa.
João Pestana